Sanderson Negreiros (Transcrito da Tribuna do Norte)
Um jogador na concentração escreve uma carta para sua namorada, ou mais do que namorada. E só sabe fazê-lo em termos eminentemente futebolístico , as palavras que formam seu mundo cotidiano, as expressões esportivas do dia-a-dia.
Eis como ele escreveria a carta. Vamos lá.
"Minha querida Maria: você fez jogo perigoso comigo, não me mandando notícia daí, botando-me em escanteio. Resultado do prélio: a vida, essa tradicional praça de esportes, nos obriga a sempre fazer verdadeiro teste de cooper para se aguentar o campeonato da sobrevivência. Por isso, fiquei na linha divisória, recuando para buscar jogo, na moita para ver se você me escrevia. Enfim, jogada isolada não faz artilheiro. O passe tem de ser de dois toques.
Você garante que me ama. Eu apenas digo, meu amor: quem pode esquecer sua zona do agrião como eu conheci, tem de amá-la, apaixonar-se por você. Aliás, sempre antes do jogo principal, fazíamos uma preliminar, com lançamentos em profundidade, num verdadeiro rolo compressor.
Fui tantas vezes seu ponta de lança, pressionando a meia-cancha, até o gol final, que sempre nos deu a vitória. Mesmo quando me encontrava com você às escondidas, por causa de seu marido, a gente usava uma 4-3-3 legal paca; até o gol average. O melhor, porque o mais catimbado.
Antes de conhecê-la, eu era um perdido no meio do campo (da existência), gandula sem eira nem beira, entrando de sola em qualquer adversário, jogueiro que pegava até as sobras, com rendimento técnico negativo.
Depois que eu encontrei você meu comportamento tático passou a ser outro. Você criou em torno de mim verdadeiro bloqueio defensivo, ressuscitando a marcação por zona. Passei a ser seu líbero. E, no primeiro tiro livre, ganhamos a barreira, abrindo a rodada.
Na vida tem que haver conjunto, a bola tem que rolar mesmo; e enfrentávamos o turno e o returno sem cansar. Nosso placar final nunca deu zebra.
As vezes terminávamos por contagem mínima, mas com alto nível técnico, depois de enfrentar várias opções de jogada. No transcorrer da partida, você recitava poemas de J. G. de Araújo Jorge. Aí, eu prendia o jogo.
Você sempre foi uma grande estrategista. Me ensinou jogar pelas extremas, para atingir o miolo de área, quando nunca errei um sem-pulo. Você achou o máximo?
Hoje, meu drible é solitário, fico aqui nesta sala como meia-armador, sem ter a quem lançar a "leonor". De qualquer maneira, até sua volta, tenho que continuar brigando dentro da área, pressionando pelo menos o empate da solidão, para a alegria final (ao revê-la), que será a verdadeira taça de meu campeonato. Aliás, do meu bi-campeonato, pois conheço você há dois anos.
Um abraço, de seu O. L.
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