quinta-feira, 23 de março de 2006
Na UTI, e em estado terminal
Não, não adianta comentar a triste realidade de duas nações dos gramados. O ABC e o Flamengo agonizam como vitrines factíveis de um futebol brasileiro que só existe hoje como manufatura. Exportamos os craques e ficamos na espera, de quatro em quatro anos, por uma Copa que nos massageie o ego pátrio. Mas nos nossos estádios, já não há espetáculos faz muito tempo.A crise de bola e de renda dos times mais queridos do Rio e de Natal é fácil de explicar e de erguer teses. Por isso prefiro comentar a crise do Real Madrid, esse sim um clube sem problemas financeiros, eleito há poucos dias o mais rico do mundo suplantando o britânico Manchester United. Vai entender o que ocorre por lá! Não faltam craques e a conjuntura do campeonato é cada vez melhor.A crise do Real é endêmica e contaminou seus jogadores, representados na figura de Ronaldo, que ontem, finalmente, marcou um gol após quase cinqüenta dias de jejum, o que de fato é um fenômeno. O gol de empate frente ao Zaragoza serviu como uma maquiagem a esconder a feiúra do futebol de Ronaldo nesses tempos de quilos a mais. Ronaldo copiou o Cid espanhol, salvando seu povo, mas já morto sobre o cavalo.Como na canção dos Titãs, a situação do Real Madrid e de Ronaldo é no ritmo "o pulso ainda pulsa". O gol salvador, quando o time perdia para o mesmo adversário que lhe enfiou 6 a 1 há poucos dias, não vai desmanchar o inferno astral do craque, como bradaram alguns comentaristas brasileiros no mesmo velho e conhecido surto de ufanismo. Um jornal espanhol estampou hoje "Ronaldo salva a honra de um Madrid em decomposição". Certeira a manchete.O Real se salvou da derrota no estádio La Romaneda com o gol oportuno de um Ronaldo até então desaparecido em campo. Num erro do goleiro César. Para ilustrar o drama do clube e do atleta, foi na prorrogação, aquele instante onde mais os torcedores perdem a paciência e as unhas. O gol maquiou a crise de uma equipe que se viu superada pelo adversário durante todo o segundo tempo. E teve sorte nos ataques endiabrados da dupla Ewerthon e Milito e das jogadas geniais de Cani, que cansado deu lugar ao Sávio (ele ainda existe).Além dos elogios de Parreira e Felipão, que servem como muletas psicológicas, Ronaldo se agarra em toda e qualquer esperança. E acredita no gol salvador, "com meu gol, se vai a outra parte do furacão que caiu sobre mim", disse logo após a partida. Afirmou também que "o importante é que jogamos bem e devemos seguir assim". Ilusão, pura ilusão, os galácticos jogaram o mesmo futebol anêmico da temporada e estão retornando à disputa do terceiro e quarto lugares - foram superados pelo Osasuna.Contaminados também pela crise do time, craques como David Beckham, Zidane e Robinho são apenas caricaturas de si mesmos. O inglês, que fez muita gente esquecer os lançamentos de Gérson, já não tem precisão nas jogadas; o francês virou especialista em atuar um tempo apenas e agora experimenta o banco (Edmo, você tem razão: que diabos faz o Gravesen nos onze titulares?); e o brasileiro, coitado, precisa urgente variar o repertório de dribles, pois os demais de tão manjados o torna presa fácil dos zagueiros.Bem diferente dos comentaristas brasileiros da Band e da ESPN, a imprensa escrita da Espanha não incorreu na ilusão de perceber recuperação - nem do time nem do Ronaldo - no jogo de ontem. Vejam algumas manchetes de hoje: no El Mundo "o último suspiro"; no El País "um erro de César auxilia o Madrid"; no ABC "Ronaldo salva a cabeça de Caro (técnico do Real)"; no El Periódico "engorda para morrer"; no La Razón "empate e graças a Ronaldo". Apenas nas capas dos dois diários esportivos há manchetes positivas: no AS "gol de Ronie", e no Marca "Ronie cavalga de novo". Quem gosta do craque e do Real, uma reza não custa nada. É assim na medicina, quando o paciente agoniza, entregam-no aos desígnios do divino.
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