quarta-feira, 27 de setembro de 2006
Ludismo e jogo sujo
Nos dias inesquecíveis e felizes de uma infância pobre, brinquedo era sonho e vice-versa. O entretenimento da classe média era um sonho de consumo dos meninos iguais a mim e os sonhos de futuro às vezes eram vividos nos instantes lúdicos de um tabuleiro de Banco Imobiliário, o famoso jogo americano conhecido no mundo todo por Monopoly.Na avareza inocente do acúmulo de bens que o jogo permitia, até adultos se dedicavam a amontoar as cédulas coloridas utilizadas para os grandes negócios do brinquedo. Nada mais prazeroso do que viver num bairro humilde de Natal e - vupt - num atirar de dados adquirir um hotel em Interlagos ou vender uma mansão na Vieira Souto. Ninguém conhecia, mas sabia-se da condição aristocrática dos dois locais.O Banco Imobiliário é um dos jogos mais jogados do mundo, talvez hoje menos que o Solitaire, nosso Paciência na tela do computador. Foi idealizado em 1934 pelo americano Charles Darrow, um cara da Pensilvânia que procurou os executivos da empresa Parker Brothers, que rejeitaram o brinquedo alegando 52 erros. Com o apoio de um colega, Darrow produziu 5 mil unidades manufaturadas e saiu oferecendo em lojas da Filadélfia, Boston e Nova York.A receptividade foi imediata e logo milhares de jogos foram encomendados, até o ponto do criador não mais ter controle sobre a criatura. Um ano depois, a Parker Brothers fez o mea culpa e lançou o jogo no meio da recessão de 1935, fazendo de Darrow um milionário. Mesmo com a grande jogada, a idéia do Monopoly não foi considerada original. Havia um jogo criado em 1904, chamado The Landlord´s Game (o jogo da terra dos senhores), que apesar do nome pertencia a uma mulher, Lizzie J. Maggie.A grande diferença entre os dois é que no de Lizzie o objetivo do jogo era mostrar a injustiça dos monopólios, das cobranças de aluguel, enquanto no de Darrow o que vale é vencer nos negócios, comprando, vendendo e alugando bens, que quanto mais exorbitantes os preços melhor para o jogador. Da idéia inicial de 1934, ficou até hoje o posicionamento das casas do tabuleiro.Semana passada os muitos adeptos do jogo, nos EUA, protagonizaram na mídia uma polêmica. A empresa Hasbro foi bastante criticada com a reformulação feita na nova edição, chamada de Here & Now. Mudaram as ruas e negócios do tabuleiro tradicional, que tinha Atlantic City e New Jersey, por exemplo, e acrescentaram novas peças como celulares, laptops, batatas fritas e outros objetos do desejo consumista americano.No Brasil, a detentora dos direitos do Banco Imobiliário é a Estrela, há muito cheia de reveses no jogo dos negócios da vida real. Como nos EUA estão adaptando coisas do mundo moderno da globalização, imagino as alterações que o jogo possa sofrer. Por exemplo, seria preciso acrescentar mansões em lagos de Brasília para compras no paralelo; ou terrenos no litoral nordestino sem a necessidade de relatórios de impacto ambiental.As famosas cartinhas de "sorte" e "revés" poderão vir com alternativas tipo "você é amigo íntimo de um senador, pule o imposto de renda e não pare na prisão", ou "você está com sorte, dispense a casa da licitação e avance até lucros e dividendos", e ainda, quem sabe, uma jogada assim "o governo do seu amigo falsificou a documentação e o hotel na praia agora é sua propriedade". Teria ainda coisas tipo "sua empresa se deu bem com a emenda daquele deputado, compre a frota de ambulâncias".Que saudades dos tempos de Banco Imobiliário, quando brincar de fazer negócios era apenas brincar de fazer negócios. A vida e os negócios agora são outros.
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