O poema de Afonso Romano de Sant'Anna, de 1980, é dividido em 5 fragmentos, mas bastam os dois primeiros para se perceber a semelhança com os dias atuais da republiqueta gatuna e mentirosa em que se transformou o Brasil. Leiam o grande poeta:
Mentiram-me.
Mentiram-me ontem e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes.
Alegrementementem.
Mentem tão nacional/menteque acham que mentindo história aforavão enganar a morte eterna/mente.
Mentem.
Mentem e calam.
Mas suas frases falam.
E desfilam de tal modo nuas que mesmo um cego pode ver a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade pela mentira, nem à democracia pela ditadura.
Evidente/mente a crer nos que me mentem uma flor nasceu em Hiroshima e em Auschwitz havia um circo permanente.
Mentem.
Mentem caricaturalmente.
Mentem como a careca mente ao pente, mentem como a dentadura mente ao dente, mentem como a carroça à besta em frente, mentem como a doença ao doente, mentem clara/mente como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente, como nenhuma lavadeira mente ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem com a cara limpa e nas mãos o sangue quente.
Mentem ardente/mente como um doente em seus instantes de febre.
Mentem fabulosa/mente como o caçador que quer passar gato por lebre.
E nessa trilha de mentiras a caça é que caça o caçador com a armadilha.
E assim cada qual mente industrial?
mente, mente partidária?
mente, mente incivil?
mente, mente tropical?
mente, mente incontinente?
mente, mente hereditária?
mente, mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente constroem um país de mentira - diária/mente.
(Afonso Romano de Sant'Anna)
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1 comentários:
uau!Que maravilha de texto! Sou suspeita prá falar, amo de paixão esse poeta Affonso Romano, sou leitora assídua e é o meu preferido sem dúvida alguma. Bjo. Di
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