quinta-feira, 5 de outubro de 2006
Tem que prestar contas
Acabo de ler o artigo da cientista política Lúcia Hippolito, que trata do dever e da obrigação dos governantes de prestarem contas de seus atos à sociedade. Como se fosse um dos traços determinantes do regime democrático, pois a autoridade “é um servidor público e eleito ou não tem que prestar contas de seus atos”. Aponta exemplos do que acontece nos Estados Unidos, na França, na Inglaterra. Em regimes presidencialistas e parlamentaristas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o presidente dá entrevistas quinzenais na Casa Branca e “enfrenta perguntas às vezes constrangedoras, muitas vezes duras, mas quase sempre leais”. Na Inglaterra, onde prevalece o parlamentarismo, o primeiro-ministro vai todas as semanas ao Parlamento. E lá a oposição não alisa e exige “explicação sobre atos de governo”. Tudo isso é um procedimento normal, “dentro da mais perfeita normalidade democrática”. Diz a doutora Lúcia Hippolito que o estribo dessa maneira de se proceder chama-se “accountability”, uma palavra da língua inglesa que ainda é intraduzível “em todo o seu conteúdo”. Destaco alguns trechos do seu comentário:- Accountability contém a idéia de que a autoridade é um servidor público. Eleito ou não, tem que prestar contas de seus atos à sociedade. Ou através de periódicas entrevistas coletivas, ou através de periódicas visitas ao Parlamento. Ou ambas. (Nos Estados existe a figura do General Accounting Officer, espécie de presidente de tribunal de contas, a quem todos os secretários de governo prestam contas). - Autoridades são remuneradas pelo povo. Muitos dormem em palácios pagos com o dinheiro do povo, locomovem-se em automóveis e aviões pagos pelo povo, movidos a combustível pago pelo povo. Alimentam-se à custa do povo. Devem, pois, satisfação de seus atos. No Brasil, disseminou-se - e não é de hoje - a noção de que autoridades não precisam prestar contas à sociedade. Sentem-se como se tivessem recebido do eleitorado um cheque em branco. Tudo podem, nada devem.- Governos brasileiros confundem prestação de contas com publicidade. Gastam fortunas em publicidade paga, como se isto bastasse para justificar seus empregos. Sinto muito, mas não basta. Accountabillity não é contabilidade das empresas de publicidade. Accountabillity é um dos pilares da democracia. De agentes públicos, o mínimo que se espera é respeito ao dinheiro do contribuinte, que paga seu salário e suas mordomias.- Accountabillity é menos palanque e mais debate, menos pronunciamento e mais entrevistas, menos portarias ministeriais e mais comparecimento ao Congresso. Afinal, se uma autoridade não resiste a uma crítica ou a uma palavra mais dura, talvez esteja no cargo errado. Como se diz no interior de Minas, se não agüenta o calor, que saia da cozinha.”
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