Por que será que ninguém viu esse episódio sendo publicada nosjornalecos da cidade...?
A matéria é da Revista Piauí
JOÃO MOREIRA SALLES
A matéria é da Revista Piauí
JOÃO MOREIRA SALLES
Natal, capital do Rio Grande do Norte, não é exatamente um celeiro de celebridades. Com exceção da top model Fernanda Tavares, a fama dos personagens nativos corre na faixa que vai da Paraíba ao Ceará. Mas, se o nordestino é um forte, o colunista social potiguar é um hércules.
A pobreza da lavra não o impede de suar o rosto nas minas exíguas dojornalismo de sociedade. O ouro é pouco; a concorrência, imensa.Espalhados por jornais, rádios e tevês, o contingente de colunistas potiguares é forte de cerca de noventa almas. O vespeiro se alimenta das festas, farras, intrigas, políticas e segredos de alcova dos personagens que a tradição local organiza em três castas: os jets (dotados de classe e dinheiro), os pibs (com mais dinheiro que classe) e os pebas (sem nenhum dos dois). Nas últimas semanas, entretanto, o que se viu em Natal foi uma inversão das coisas.Nem jets, nem pibs, nem pebas produziram as notícias mais apetitosas da estação. Saborosos mesmo se saíram os colunistas. Houve o episódio no restaurante italiano. Ainda que muitos nomes robustos da sociedade estivessem matando ali a sua fome, o que atraiu olhos e ouvidos foram os gritos que cruzaram o salão: "Vagabunda! Você é uma va-ga-bun-da!" O autor da crítica mordaz era um dos decanos do colunismo local. A vítima dos ataques, uma sua colega de profissão, Eliana Lima, que acabava de ser contratada, a peso de ouro, para dar expediente no mesmo jornal em que o agressor reinava absoluto. Ele agora teria de dividir com a intrusa a página em que mandava e desmandava havia duas décadas. Donde o epíteto eloqüente:"Va-ga-bun-da!" A moça, jovem e bonita, é conhecida por haver modernizado a crônica social potiguar - "seguindo a escola da MônicaBergamo, querido". Mas o caso Vagabunda! é trivial perto do affaire Hilneth Correia (a da foto da matéria), uma senhora de larga circunferência e feição bonachona que se proclama embaixatriz do Rio Grande do Norte. Hilneth é a mais querida colunistada cidade. Jamais imaginaria que alguém do mesmo ofício pudesse magoá-la tanto - principalmente um "jornalistazinho jovem, sem história nem procedência nenhuma", segundo palavras da própria. Em suma, um peba. Pois foi o que aconteceu. Rodrigo Levino, o jornalista sem procedência, 25 anos, editor de culturado jornal JH Primeira Edição, entregou-se durante uma semana à tarefa de denunciar o patrocínio do governo do estado e da prefeitura de Natal à festa de quarenta anos de colunismo social de Hilneth. Com o tituloCelebration, o rega-bofe foi anunciado em outdoors pela cidade. Numa clara prova de falta do que fazer, Levino espalhou pela cidade, viae-mail, as logomarcas oficiais que acompanhavam os anúncios. Insistia que se estava diante de uma farra privada regada a verba pública. Exigia explicações. Hilneth explicou. Na sua coluna na Tribuna do Norte, ensinou que o patrocínio, chamado de "master", era uma forma de divulgar as belezas e os atrativos de Natal "pelo sudeste-maravilha afora". A um custo "ínfimo", o governo e a prefeitura se responsabilizariam pelas passagens aéreas, hospedagem e city tours de personalidades como Bruno Chateaubriand, Hildegard Angel, Glorinha Távora, Madeleine Saad, André Ramos, Luiz Felipe Francisco, Miriam Galhardi e Liliana Rodrigues. Tratava-se de uma estratégia notável, cuja conseqüência natural seria propaganda turística de altíssimo cacife nas rodas do jet set Rio-SãoPaulo. A explicação não impediu que o Ministério Público Estadual se interessasse pelo assunto. O procurador de Justiça, através do promotor de Defesa do Patrimônio Público, recomendou a abertura de investigação. De uma hora para outra, produziu-se o impensável: estado, prefeitura eHilneth não escaparam de prestar esclarecimentos à Justiça. Como se não fosse horror suficiente, a colunista ainda teve de se haver com a ameaça de Levino. O jornalista anunciou que, sendo a festa bancada por dinheiro público, ele alugaria um caminhão e recolheria os pobres, desdentados, feios e sujos da cidade, para que pudessem todos desfrutar daCelebration. Hilneth quase infartou. "Despeitado! Invejoso!", classificou, aos prantos. Encurralados pelo Ministério Público, os poderes locais acabaram suspendendo o patrocínio. De última hora, e para tristeza da boa sociedade potiguar, quase todos os VIPs desistiram de ir a Natal. Sem a boca-livre da patronagem oficial, não houve disposição que resistisse. Adeus Bruno Chateaubriand, André Ramos, Hildegard Angel, LilianaRodrigues. Hilneth não se deixou abater. Enfrentou a desdita com bravura e estoicismo. "Imagine, dar satisfação à Justiça como se eu fosse uma pessoa má", murmurava no camarim da Celebration. "Logo eu, com quarenta anos de história no jornalismo potiguar."Com vinte manobristas, quarenta garçons, quatro telões, cinco bufês diferentes, prosecco Pol Clement e uísque Old Parr (doze anos, a gosto), a Celebration foi animada com show das Frenéticas. Ao som de"Eu sei que eu sou/ bonita e gostosa" e "Abra as suas asas/ solte as suas pernas", os convidados fincavam os olhos nos três bravos semi desconhecidos que tinham vindo do sul prestar solidariedade à embaixatriz potiguar.
Madeleine Saad, Glorinha Távora e o desembargador carioca Luiz Felipe Francisco foram recebidos com deferência. Não tiveram de pagar 110 reais pela pulseirinha que dava acesso à festa. O magistrado, bem mais contido do que a expansiva Madeleine, observava os requebros tomando doses e doses de caipifruta de cajá com kiwi. A discrição se manteve até o momento em que ele foi abordado pela drag queen Danuza D'Salles, a hostess da celebração. Daí para a pista de dança, foram dois passos. Luiz Felipe Francisco não dança bem. À medida que a noite avançava, uma angústia começou a pesar sobre o salão. Não que se comentasse em voz alta. Seria fulminar a anfitriã, a essa altura com os nervos à flor da pele. De orelha em orelha, cochichava-se: "Será que vai chegar a caçamba de pobres?"Não chegou. De mesa em mesa, aliviada, Hilneth agradeceu a todos pela atenção, pelo carinho e pela alegria de suas quatro décadas de crônica social.
Na coluna do dia 18 de novembro, arrematou: "Eu tive qualidade e quantidade".
A pobreza da lavra não o impede de suar o rosto nas minas exíguas dojornalismo de sociedade. O ouro é pouco; a concorrência, imensa.Espalhados por jornais, rádios e tevês, o contingente de colunistas potiguares é forte de cerca de noventa almas. O vespeiro se alimenta das festas, farras, intrigas, políticas e segredos de alcova dos personagens que a tradição local organiza em três castas: os jets (dotados de classe e dinheiro), os pibs (com mais dinheiro que classe) e os pebas (sem nenhum dos dois). Nas últimas semanas, entretanto, o que se viu em Natal foi uma inversão das coisas.Nem jets, nem pibs, nem pebas produziram as notícias mais apetitosas da estação. Saborosos mesmo se saíram os colunistas. Houve o episódio no restaurante italiano. Ainda que muitos nomes robustos da sociedade estivessem matando ali a sua fome, o que atraiu olhos e ouvidos foram os gritos que cruzaram o salão: "Vagabunda! Você é uma va-ga-bun-da!" O autor da crítica mordaz era um dos decanos do colunismo local. A vítima dos ataques, uma sua colega de profissão, Eliana Lima, que acabava de ser contratada, a peso de ouro, para dar expediente no mesmo jornal em que o agressor reinava absoluto. Ele agora teria de dividir com a intrusa a página em que mandava e desmandava havia duas décadas. Donde o epíteto eloqüente:"Va-ga-bun-da!" A moça, jovem e bonita, é conhecida por haver modernizado a crônica social potiguar - "seguindo a escola da MônicaBergamo, querido". Mas o caso Vagabunda! é trivial perto do affaire Hilneth Correia (a da foto da matéria), uma senhora de larga circunferência e feição bonachona que se proclama embaixatriz do Rio Grande do Norte. Hilneth é a mais querida colunistada cidade. Jamais imaginaria que alguém do mesmo ofício pudesse magoá-la tanto - principalmente um "jornalistazinho jovem, sem história nem procedência nenhuma", segundo palavras da própria. Em suma, um peba. Pois foi o que aconteceu. Rodrigo Levino, o jornalista sem procedência, 25 anos, editor de culturado jornal JH Primeira Edição, entregou-se durante uma semana à tarefa de denunciar o patrocínio do governo do estado e da prefeitura de Natal à festa de quarenta anos de colunismo social de Hilneth. Com o tituloCelebration, o rega-bofe foi anunciado em outdoors pela cidade. Numa clara prova de falta do que fazer, Levino espalhou pela cidade, viae-mail, as logomarcas oficiais que acompanhavam os anúncios. Insistia que se estava diante de uma farra privada regada a verba pública. Exigia explicações. Hilneth explicou. Na sua coluna na Tribuna do Norte, ensinou que o patrocínio, chamado de "master", era uma forma de divulgar as belezas e os atrativos de Natal "pelo sudeste-maravilha afora". A um custo "ínfimo", o governo e a prefeitura se responsabilizariam pelas passagens aéreas, hospedagem e city tours de personalidades como Bruno Chateaubriand, Hildegard Angel, Glorinha Távora, Madeleine Saad, André Ramos, Luiz Felipe Francisco, Miriam Galhardi e Liliana Rodrigues. Tratava-se de uma estratégia notável, cuja conseqüência natural seria propaganda turística de altíssimo cacife nas rodas do jet set Rio-SãoPaulo. A explicação não impediu que o Ministério Público Estadual se interessasse pelo assunto. O procurador de Justiça, através do promotor de Defesa do Patrimônio Público, recomendou a abertura de investigação. De uma hora para outra, produziu-se o impensável: estado, prefeitura eHilneth não escaparam de prestar esclarecimentos à Justiça. Como se não fosse horror suficiente, a colunista ainda teve de se haver com a ameaça de Levino. O jornalista anunciou que, sendo a festa bancada por dinheiro público, ele alugaria um caminhão e recolheria os pobres, desdentados, feios e sujos da cidade, para que pudessem todos desfrutar daCelebration. Hilneth quase infartou. "Despeitado! Invejoso!", classificou, aos prantos. Encurralados pelo Ministério Público, os poderes locais acabaram suspendendo o patrocínio. De última hora, e para tristeza da boa sociedade potiguar, quase todos os VIPs desistiram de ir a Natal. Sem a boca-livre da patronagem oficial, não houve disposição que resistisse. Adeus Bruno Chateaubriand, André Ramos, Hildegard Angel, LilianaRodrigues. Hilneth não se deixou abater. Enfrentou a desdita com bravura e estoicismo. "Imagine, dar satisfação à Justiça como se eu fosse uma pessoa má", murmurava no camarim da Celebration. "Logo eu, com quarenta anos de história no jornalismo potiguar."Com vinte manobristas, quarenta garçons, quatro telões, cinco bufês diferentes, prosecco Pol Clement e uísque Old Parr (doze anos, a gosto), a Celebration foi animada com show das Frenéticas. Ao som de"Eu sei que eu sou/ bonita e gostosa" e "Abra as suas asas/ solte as suas pernas", os convidados fincavam os olhos nos três bravos semi desconhecidos que tinham vindo do sul prestar solidariedade à embaixatriz potiguar.
Madeleine Saad, Glorinha Távora e o desembargador carioca Luiz Felipe Francisco foram recebidos com deferência. Não tiveram de pagar 110 reais pela pulseirinha que dava acesso à festa. O magistrado, bem mais contido do que a expansiva Madeleine, observava os requebros tomando doses e doses de caipifruta de cajá com kiwi. A discrição se manteve até o momento em que ele foi abordado pela drag queen Danuza D'Salles, a hostess da celebração. Daí para a pista de dança, foram dois passos. Luiz Felipe Francisco não dança bem. À medida que a noite avançava, uma angústia começou a pesar sobre o salão. Não que se comentasse em voz alta. Seria fulminar a anfitriã, a essa altura com os nervos à flor da pele. De orelha em orelha, cochichava-se: "Será que vai chegar a caçamba de pobres?"Não chegou. De mesa em mesa, aliviada, Hilneth agradeceu a todos pela atenção, pelo carinho e pela alegria de suas quatro décadas de crônica social.
Na coluna do dia 18 de novembro, arrematou: "Eu tive qualidade e quantidade".
0 comentários:
Postar um comentário