Lênin, o da Rússia, não o ex-Fluminense, dizia que o esquerdismo era a doença infantil do comunismo. Isso nos anos 1920, bem antes dos comunistas ganharem fama de comedores de criancinhas. Bem depois, começo dos anos 1990, eu descobrí que o comunismo como um todo é que era a grande doença dos adultos.
Mais adiante, percebi que o nativismo e o bairrismo são doenças infantis do patriotismo, nesse formato ridículo, histérico e atarantado praticado no Brasil, com ênfase em setores nordestinos de Recife, Mossoró, Campina Grande, Natal, Maceió, Garanhuns, e outras "metrópolis". Cada vez que ouço um bocó estufar o peito para decantar seu amor de quadrilátero, sua paixão geográfica com limítrofes de mapa-mundi, me dar logo vontade de escarrar. Nada identifica mais, de supetão, um provinciano do que o seu matuto “amor à terra”, a cangalha espiritual que o condenado carrega no quengo limitado para o resto da vida.
Patriotismo para essa gente pode ser qualquer besteira: uma camisa amarela, uma notícia estrangeira citando o seu pé de serra, um capítulo de sub-cultura noveleira numa TV russa, uma celebridade de cabeça oca serelepando nas avenidas do mundo. O bocó é tão bocó que até aos santos das religiões ele dá um jeito de incutir uma aura conterrânea.
No futebol, então, aí a baboseira e a ignorância dão de goleada. O provinciano trata o jogo como um patrimônio, um símbolo nacional, como se nas traves da seleção brasileira ou do time do seu torrão estivessem, protegidos por um goleiro e suas orações, a honra dos seus compatriotas e o seu orgulho nativo.
Nesses tempos de Eurocopa, onde quase todos os times do velho continente contam com jogadores gerados em várias partes do mundo, é comum aos narradores da TV identificarem “brasileiros” aqui e alhures. A viseira do bairrismo besta não permite que percebam a nova nacionalidade dos atletas. Ora, quando alguém naturaliza-se adota outra nação e abre-se mão da origem.
A seleção de Portugal, comandada pelo brasileiro Luiz Felipe Scolari, está sendo acompanhada na Eurocopa por um batalhão de jornalistas do Brasil. Além do interesse pelo técnico e pelo craque Cristiano Ronaldo, há uma destacada atenção pelo zagueiro Pepe e pelo meia Deco, ambos nascidos em Alagoas e já adotados pela nova pátria irmã.
Ontem, na concentração lusa, onde todos aguardam o duelo com a Alemanha pelas quartas-de-final, uma entrevista de Pepe ganhou uma conotação de estupefação nos repórteres brasileiros, como se o rapaz repetisse Al Gore defendendo a Amazônia como patrimônio da humanidade e não mais apenas do Brasil.
Alguém perguntou ao craque do Real Madrid o que ele sentiu na derrota da seleção de Dunga para o Paraguai. Pepe disse estar indiferente ao fato, que não viu o jogo, que estava pensando no jogo contra os alemães. Foi o bastante. A choldra verde-amarela cuspiu fogo, cobrou as origens, indagou se não sonhara um dia jogar na canarinho.
Como o colega Deco, que já aprendeu a tratar com a patuléia provinciana, o zagueiro foi logo informando que quando se naturalizou português não foi pensando na seleção e sim na gratidão por um país que lhe recebeu bem, que lhe deu futuro. “Scolari não me empurrou, eu já estava me naturalizando”, disse Pepe aos revoltados, que também se irritam pelo seu sotaque camoniano.
Chegou em Portugal muito jovem, com uma trajetória semelhante a de Deco, ambos oriundos de Alagoas e ainda juvenis. Hoje estão entre os melhores craques da Europa em suas posições e são festejados pelo povo português. Repetem a trajetória de Mazzola, que virou ídolo italiano com o nome de Altafini. E cumprem na prática a teoria do gênio francês Michel Platini: futebol é só um jogo.
O resto é bairrismo bobo, essa doença infantil de velhas composturas.
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2 comentários:
adorei o texto, concordo plenamente não mudo nada.
Thank you so much!!!
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