Sôbre fina camada de areia lunar, molda-se uma imprevista escultura: a forma da galocha de um astronauta.
Com esta frase, com direito ao circunflexo apropriado à gramática da época, o jornalista Zevi Ghivelder iniciava o curto editorial da revista Manchete de 16 de agosto de 1969.Era a edição especial com as fotos e narrativas da aventura que ficaria marcada como a mais fantástica da humanidade no século XX. A viagem da nave Apollo 11 ao satélite terrestre mexeu com as mentes do mundo, já tão mexidas no caleidoscópio de ideologias em que se transformou aquela década de sonhos.
A Lua deixara de ser um astro brilhante, solto na imensidão do espaço e de interesse apenas dos namorados e dos poetas que voavam em órbita de um parnasianismo sem fim. A morada de São Jorge e de misteriosas guerreiras selenitas virou o centro das atenções, o núcleo da galáxia. A Pedra da Lua ganhou notoriedade de jóias. O impacto da notícia de um homem andando em solo lunar, a superação do percurso espacial, a cobertura midiática com as imagens da televisão, tudo isso mudou a vida sobre a Terra. A grande foto em duas páginas de Edwin Aldrin instalando um sismógrafo no chão da Lua era a consagração da raça humana. Éramos os senhores do universo, uma minúscula espécie que conseguiu sair do seu mundo e viajar até outros, além das barreiras físicas e espaciais.
A missão Apollo 11 conseguiu ser tema de todas as tribos filosóficas, dos executivos de Nova York aos universitários de Paris, dos militares brasileiros aos hippies de São Franciso. Científica para uns, filosófica para tantos, bélica para alguns, profética para muitos e lisérgica para outros. Todo mundo tinha um motivo e uma história para narrar em torno da conquista da Lua.
Entre os dias 20 de julho, quando o módulo da Apollo 11 pousou na Lua, e 18 de agosto, o último dia do Festival Woodstock na cidade de Bethel, em Nova York, a humanidade viveu mais transformações culturais e ideológicas do que todos os anos vividos até aquele período do século XX. Dali em diante, eu vi a revista Manchete algumas vezes até consegui-la em definitivo para meu acervo de velharias gráficas. Quando passei suas páginas aos vinte e poucos anos, já com uma idéia pré-formada do mundo, foi rápido perceber a diferença de impacto visual em relação ao evento. São imagens espetaculares, um documento dos mais valiosos em toda a História do homem. Talvez só superadas pelas imagens televisivas, que, dizem, foram perdidas pela NASA.
Por mais que existam as teses conspiratórias sobre a farsa cinematográfica montada pelos EUA, a viagem à Lua é um divisor de águas, ou de espaço. Para as atuais gerações tão íntimas das mais incríveis tecnologias, acostumadas com a informática, o microcosmo dos chips, a ciência tornando real cada vez mais as coisas da ficção literária, talvez não entenda a grandeza e fenomenologia em torno do primeiro pouso de uma nave terráquea na Lua.
Neil Amstrong, o comandante da missão, provavelmente não sacou do improviso para lançar à História o comentário “Um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”. Deve ter partido da Terra já com o slogan pronto, fruto do eficiente marketing que enleva a sociedade norte-americana. Outra frase muito badalada de Armstrong e considerada enigmática durante mais de vinte anos após a alunissagem do módulo e seu pisar sobre os astros, foi “Boa sorte, Mister Gorsky”, um cumprimento ao voltar para a nave que sugeria a existência de um interlocutor com nome russo ou de outra nação do Leste Europeu. Somente muito depois, o astronauta revelou o mistério do comentário. Ainda menino, ouviu uma voz feminina, vindo da casa vizinha dos seus pais, dizendo: “sexo oral, só quando o filho do vizinho pisar na Lua”. E naquele momento histórico e solene, lembrou e felicitou o marido da vizinha.
Quarenta anos depois do feito de Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins, voltei a folhear a velha revista Manchete. E no mundo atual das imagens digitais, dos mega-telescópios revelando galáxias distantes, a emoção das fotos das câmeras Hasselblad, com lentes Zeiss Biogon, é a mesma do passado. Imutável como o prazer do casal Gorsky em cada casal de hoje e do futuro.
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