quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Alameda Casa Branca, 806
Alex Medeiros.
Sempre que desembarca no aeroporto de Salvador, o teólogo e druída espiritual de Luiz Inácio, Frei Betto, sente o desejo de mobilizar toda a Bahia para trocar o nome do local, Luiz Eduardo Magalhães, pelo nome do guerrilheiro Carlos Marighella, que era baiano.
Frei Betto jamais escondeu o trauma que carrega na alma católica, nascido no episódio da morte de Marighella, principal líder terrorista do Brasil nos anos 60, na noite de 4 de novembro de 1969, exatamente há 40 anos completados nesta quarta-feira.
O escritor de “Batismo de Sangue” e outros sucessos editoriais, não aceita a tese de que dois frades dominicanos, seus irmãos em Cristo, participaram da armadilha preparada pelo então delegado Sérgio Paranhos Fleury para executar Carlos Marighella.
Tudo começou quando a Polícia prendeu alguns militantes envolvidos no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, aquele cuja libertação foi em troca de 15 jovens, citados em carta redigida pelo hoje ministro da Propaganda, Franklin Martins.
Durante o interrogatório do preso Paulo de Tarso Venceslau - que uma década depois fundaria o PT e seria expulso em 1998 e ainda denunciaria a existência de caixa 2 no partido de Lula – soube-se que Marighella tinha contatos com os dois frades.
Os frades dominicanos frei Ivo e frei Fernando foram dois grandes amigos de Frei Betto na juventude. Foram presos pelos agentes de Fleury no Rio de Janeiro e a partir de seus depoimentos toda a rede de apoio a Marighella começou a ser desmantelada.
Na tarde de 4 de novembro de 1969, frei Fernando atende ao telefone da Livraria Duas Cidades, na Avenida Europa. Do outro lado da linha, alguém fala o que seria uma senha: “vou à tipografia hoje, às 20h30”. Era o líder comunista Carlos Marighella.
Numa unidade do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social, o delegado Fleury esfrega as mãos com entusiasmo. Começava ali, no telefonema, a armadilha batizada de “Operação Bandeirantes”, para prender ou matar o cara mais procurado do Brasil.
Os frades abriram o jogo e revelaram que a “tipografia” era na verdade um Volkswagen azul de sua propriedade, placas SP-246928, que estaria estacionado na calçada do nº 800, na Alameda Casa Branca, no Jardim América. Marighella precisava do carro.
Fleury espalhou dezenas de agentes e sete automóveis nas imediações, além do cão chamado Átila, um pastor alemão. Ele e uma investigadora de 18 anos fingiam namorar encostados num Chevrolet Bel-Air vermelho e creme, em frente à casa 755. Dentro do carro, também num sarro teatral, um delegado e uma agente de 22 anos, Estela Borges Morato.
Por todo lado, delegados e policiais disfarçados completavam o cenário natural de uma rua, alguns até de pedreiros. E na calçada do 806, os dois frades.Às 19h30, surge na alameda um negro alto. É Gaúcho, segurança pessoal de Marighella, que analisa o ambiente por 10 minutos e some.
Meia hora após, aparece outro cara, também alto, forte, peruca escura escondendo os cabelos grisalhos, olhos verdes. Veste um terno preto de nycron combinando com os sapatos e meias também pretos. De pasta na mão sobe a alameda em direção aos dois amigos que estão dentro do fusca azul.
Em minutos, tiros e gritos quebram o silêncio da noite. Balas ricocheteiam em carros, muros e penetram vidraças de apartamentos. As famílias assistem à novela “Algemas de Ouro”, um sucesso da TV Record entre março de 1969 e março de 1970.
Alguém grita de uma janela que mataram uma moça no meio da rua. O corpo da jovem investigadora Estela está no chão. Sirenes de viaturas policiais disparam, as pessoas correm para conferir a algazarra, chegam carros e mais carros com jornalistas.
Somente às 21h30 é que todos podem entrar na Alameda Casa Branca, onde o Volkswagen azul está cravado de balas em frente ao nº 806. Caído no banco, o corpo de Marighella, coberto de sangue, o verde dos olhos tingido de vermelho, a peruca no ombro.
Morreu quando entrava no banco traseiro. No primeiro sinal de Fleury, os dominicanos pularam fora, Marighella quis pegar o revólver Taurus 32, recebeu voz de prisão e cinco tiros. No mesmo instante, na televisão, alguém atirou em alguém no capítulo da novela. Era o fim da guerrilha urbana no Brasil.
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