Já se disse quase tudo ou já se escreveu quase tudo sobre esta campanha eleitoral como nunca antes aconteceu na história deste país. Nunca se viu nada igual, nem nos tempos de Jânio Quadros. Nada mais histriônico no palanque brasileiro. Faltando tanto pouco tempo para o ritual do voto nas urnas, achei por bem postar o artigo que Dora Kramer - a mais importante analista política da imprensa brasileira - publicou quarta-feira, dia 29, no jornal o Estado de S. Paulo, sob o título “De Severino a Tiririca”. Vai na íntegra:
- Ditos políticos não são necessariamente sábios nem confiáveis. Na maioria, são apenas frases bem sacadas que, por traduzirem bem uma determinada situação, acabam tidas como verdades absolutas sem que haja uma preocupação de cotejá-las com a realidade e principalmente com a evolução dos tempos.
- Há exceções. Aquelas que começam a circular com jeito de piada, mas terminam por se revelarem legítimas profecias. Uma delas adapta o velho lema, segundo o qual, o Congresso seguinte é sempre pior que o anterior e tornou-se bordão do deputado Luís Eduardo Magalhães - promessa política interrompida por um enfarte fatal em 1998.
- “Não há a menor chance de melhorar”, repetia Luís Eduardo, mal entrando nos 40 anos (morreu aos 43), com uma sagacidade de Matusalém.
- De fato, em 2011 pelo que se vê nas projeções parlamentares, sobretudo para a Câmara dos Deputados, não há a menor chance de melhorar a atuação do Poder Legislativo, cuja desmoralização gradativa ganhou especial velocidade nos últimos anos. Mais exatamente na última década, a primeira do século 21.
- Não que antes o Congresso fosse composto apenas de flores que se cheirassem. O último bom momento mesmo, foi há mais de 20 anos, na Assembleia Nacional Constituinte.
- Na CPI do PC e depois do processo de impeachment de Fernando Collor houve muito de oportunismo em jogo. Com aquelas acusações (graves), o então presidente poderia muito bem ter se sustentado no poder não fosse um analfabeto político e tivesse metade das habilidades do governo atual para enfrentar acusações (gravíssimas).
- Até na Constituinte houve a notória instituição do fisiologismo (“é dando que se recebe”) deslavado como instrumento fiador da “governabilidade”.
- Mas a derrocada mesmo, a perda total do respeito, uma espécie queima de vestes em praça pública começou no Senado em 2000, quando Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães (pai de Luís Eduardo) pela primeira vez disseram umas verdades um ao outro da tribuna e com transmissão direta pela TV Senado. Os dois trocaram desaforos nunca vistos naquele ambiente tido por Darcy Ribeiro como o paraíso da Terra.
- Foi um choque. Depois disso, nunca mais um senador eleito passou incólume sem escândalos – salvo os eleitos temporariamente, escolhidos exatamente por causa dos escândalos – o mandato inteiro. A começar por Jader, que, eleito depois da briga com ACM (também presidente), precisou renunciar por causa de denúncias de corrupção.
- Na Câmara é difícil estabelecer um marco, tanto são os casos, mas a eleição de Severino Cavalcanti no início de 2005 para presidência da Casa é o mais impressionante. Assinala o início do império do baixo clero, da era dos líderes de bancadas desconhecidos, da cessão de destaque e postos importantes a deputados mais conhecidos pelas atividades extracurriculares, da transformação do Legislativo num ambiente de quinta em que perderam espaço os que têm vocação política.
- Sim, há uma diferença entre aqueles, cujo negócio é a política e os que transformam a política num bom negócio. Estes é que passaram a dar as cartas.
- Muitos voltarão. A eles vão se juntar os arrivistas, os oportunistas, os famosos e mais a estrela de todos com a expectativa de se eleger com 1 milhão de votos: o rapaz chamado Tiririca, que aluga a sua ignorância para espertalhões que se valem da estupidez de milhares que, se achando espertos, são feitos de bobos.
- Manobra decorrente de um sistema eleitoral falido, único no mundo e que a nenhum dos partidos, grandes ou pequenos, nunca interessou genuinamente mudar, bem como não parece realmente interessar ao eleitorado renovar os ares que ficarão ainda mais irrespiráveis.
- É uma mistura nefasta: de um lado a patifaria, e de outra a alienação. A receita perfeita para formação de um Congresso pronto a confirmar o velho lema da piora gradativa do Parlamento e a acrescentar que a sociedade, conivente, anda muito sem moral para reclamar.”
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