Sempre que se instala um novo Congresso volta-se a falar em reforma política. Está no discurso de senadores e deputados, mas só que da boca pra fora. Vem assim há muitas eras. As eleições acontecem, os congressistas vestem jaquetão novo, o presidente recém-empossado limpa a garganta anunciando reformas, entre elas a “reforma política”, constitucionalistas e juristas são ouvidos pela mídia, as manchetes tremem de civismo, e tudo fica por aí. O cenário permanece o mesmo e a Lei Eleitoral, idem. Os partidos seguem a mesma pauta da ausência de ideologias, programas. São condomínios fechados do pragmatismo voraz e, muitas vezes (quase sempre) cínico.
Nas últimas semanas os jornais abriram espaços generosos para o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, do DEM. Ele anuncia que vai deixar o partido. Já flertou com o PMDB e agora namora com o PSB, do governador Eduardo Campos, de Pernambuco. Chega-se mesmo afirmar que os dois, no escurinho do cinema, trocam afagos com as mãos. O DEM, pastorando a traição, começa a perder a paciência. Há dois dias o senador José Agripino Maia, que será eleito, agora em março, presidente nacional da legenda, andou por São Paulo cobrando a última palavra de Kassab. O prefeito pediu um prazo de dez dias. Vai a Paris e na volta anunciará a sua decisão. Paris é uma festa, como está na cartilha de Hemingway.
A anunciada reforma política continuará sendo um lero-lero. Da Câmara de Vereadores mais bufalobiu do interior, idem, à penumbra imperial do Senado, em Brasília, todos sabem disso. Os partidos permanecerão por muito tempo funcionando como condomínios de determinados grupos que se reúnem em suas “varandas gurmês” com vistas para o mar, como se anuncia no apetitoso marquetingue das imobiliárias. Até porque as agremiações partidárias são portentosas e lucrativas imobiliárias. Basta conferir os relatórios e os balanços, nestes últimos 40, 50 anos. No imposto de renda, também.
Para ilustrar melhor o meu pensamento, leiam este artigo da jornalista Dora Kramer, publicado no Estadão de terça-feira, ontem. Sua análise objetiva, enxuta, clara, perfeita, exposta num texto lapidar, retrata muito bem o momento político do país, a partir do instante em que se foca a troca de partidos acompanhada pela trilha musical da infidelidade.
Dora Kramer:
- Nessa história de janelas de infidelidade, fundação de novos partidos e fusões entre legendas, deflagrada pela decisão do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de deixar o DEM, salvo lapso de memória apenas uma deputada levantou a questão programática.
- Luiza Erundina, do PSB, que já avisou: se Kassab entrar por uma porta ela sai pela outra. Pelo motivo mais simples desse mundo e incluído pelo Supremo Tribunal Federal entre os casos em que a troca é permitida sem sanções: mudança de orientação programática do partido ao qual é filiado o insatisfeito. O fato de Erundina ser exceção nesse debate cujo fio condutor é exatamente a orientação programática dos políticos em potencial mutação diz bastante sobre a política brasileira e as dificuldades de se fazer uma reforma digna desse nome.
- Kassab, Guilherme Afif, Raimundo Colombo (governador de Santa Catarina) e mais a plêiade de políticos eleitos pelo DEM são socialistas exatamente desde quando? A menos que tenham se convertido na mesma pia em que o empresário Paulo Skaf, então presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, se batizou socialista para poder disputar o governo de São Paulo em 2010. Justiça se faça, seguem apenas a prática da total desconexão entre os programas dos partidos, suas ideologias (quando existem) e o comportamento de seus filiados.
- Da Social Democracia o PSDB não guarda resquícios; o PMDB desde o fim da ditadura virou uma confederação com financiamento público de interesses particulares; o PDT de Leonel Brizola desmilinguiu-se ao tornar-se braço parlamentar da Força Sindical; o PTB de trabalhista só guarda o nome; o PT faz qualquer negócio pelo poder.
- Mais ou menos ideológico firmou-se o DEM, na tentativa de livrar-se da marca fisiológica do PFL. Recentemente ensaiou afirmar-se como liberal no sentido conservador do termo. Mas, como determinadas teses definidas como de direita remetem à época da ditadura, sucumbiu.
- E não se diga que perdeu espaço por causa do escândalo Arruda, porque nesse quesito outras agremiações deram contribuições mais eloquentes e nem por isso ganharam passaporte para o vinagre. O problema principal do partido parece ter sido uma combinação de oposição sem trégua ao guia genial dos povos e uma reformulação interna malfeita e com condução ainda pior.
- Pois bem, e o que tem o PSB para se tornar atrativo de tantos. Ideias, ideais, propostas, plataformas? Não. Tem um presidente promissor, na figura do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, exibiu expressivo crescimento na última eleição, tem trânsito no governo e na oposição e principalmente proximidade com o Palácio do Planalto.
- Tradução: representa excelente oportunidade para quem enfrenta dificuldades eleitorais nos partidos atuais e tem o maior interesse em engordar suas fileiras. Ademais, para quem aposta que Lula voltará em 2014 é uma excelente forma de sem querer querendo, se associar à monumental máquina de produzir votos.
- Já o pensamento, a consistência, a identidade ideológica, a luta de cada partido hoje perdedor para se transformar em vencedor corrigindo os próprios erros, sabe como é: dá muito trabalho sem resultado imediato assegurado.
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