A histeria muçulmana é o avanço da cegueira sobre a razão.
Um representante do islamismo mentiu certa vez no Bom Dia Brasil – nas
primeiras escaramuças contra chargistas europeus – dizendo que a reação
teria sido a mesma se as charges fossem de Jesus, Moisés ou Abraão,
todos considerados pelo livro sagrado muçulmano também profetas do deus
uno, sendo Maomé o último a aportar entre os mortais. Mentiu. Jamais se
ouviu qualquer indignação no Oriente por causa de chacotas com imagens
dos cristãos.
Eu não contive a ojeriza quando vi a primeira vez um filmete
escrachando a imagem de Cristo. O vídeo, bastante reproduzido,
começa com um pôr do Sol de fundo, um ator na pele de Jesus meditando em
primeiro plano e a abertura da famosa música “I Will Survive”, sucesso
perpétuo da cantora Gloria Gaynor.
Um dos hits prediletos das bibas, a canção é um clássico das boates e
tem um ritmo que se acelera, como se seguisse o efeito da bebida sobre o
desbunde de bichas numa pista de dança cheia de garotos anabolizados.
Quando encerra a introdução (da música), o Jesus levanta num surto de
boiolagem e sai bailando, cantarolando na voz de Gaynor.
Num show de trejeitos gays, o ator sai pelas ruas soltando a franga,
rebolando e atraindo olhares curiosos. Atira fora o manto e segue na sua
caminhada tresloucada só de fralda, ou seja lá como se chama um lençol
entrelaçado cobrindo as partes pudicas. O ritmo, o desbunde e o próprio
filmete se interrompem bruscamente quando Jesus vai atravessar, sempre
dançando, um cruzamento. É levado, arrebatado, por um ônibus.
Duvido que um representante do Corão, se assistiu ou soube disso,
tenha a mesma reação quanto às charges de Maomé, algumas inclusive de
baixa qualidade artística, como as que vi em jornais da Bélgica e
Dinamarca. Achincalhe com outras religiões sempre houve e não mereceu a
mesma histeria que explode no mundo muçulmano. A questão é que o tal
mundo plano que fala Thomas Friedman, e que no fundo é a versão futura
da velha aldeia global de McLuhan, fundiu a cuca do fundamentalismo.
A charge serve apenas de estopim para uma crise de convivência que já
tinha uma caricatura pronta. As conquistas do Ocidente não cabem em
alguns mundinhos tribais do Oriente. A liberdade de expressão é nosso
símbolo mais valioso, uma das pedras fundamentais onde se alicerçam as
sociedades democráticas. E como nas democracias o Estado há de ser
laico, o sagrado passa a ser a liberdade. Portanto maior que toda e
qualquer concepção religiosa, por mais respeitáveis que possam ser.
O planeta diminuiu com a globalização, o tempo encurtou e as
distâncias são apenas virtuais. Os meses que levaram para a carta do
Pero Vaz atravessar o Atlântico viraram horas de avião, minutos por
rádio e TV e frações de segundos via e-mail e redes sociais. A Torre de
Babel ficou com as vísceras expostas.
Os fundamentalistas querem compor uma versão do horror para a teoria
do caos da Física contemporânea, onde o cientista James Gleick pregou
que se uma borboleta batesse as asas num lado do planeta provocaria um
tufão no outro lado.
Lembro que fazia quatro meses que o jornal dinamarquês
Jyllands-Posten havia publicado uma charge de Maomé, mas a histeria só
explodiu depois, provocando aquelas queimas de carros em Paris. O
conflito estava para explodir por um conjunto de componentes religiosos,
ideológicos e sociais.
Setores radicais do islamismo querem impor seus preceitos ao outro
lado do mundo. É a intolerância pela aproximação da vizinhança com a
globalização. Se Maomé casou com uma menina de dez anos, não é por
respeito aos cultos que ocidentais comerão criancinhas, com a devida
vênia de antigos comunistas e novos marxistas de shoppings centers.
O filme de internet com Jesus dançando o hit dos transformistas é um
oceano no copo d`água de uma charge com Maomé, e no entanto não levou
cristãos às ruas em convulsão coletiva ou provocou assassinatos de
jornalistas. O desenho que setores do islamismo quer é outro: a
intolerância.
Querem dar ao multicolorido mundo civilizado as pinceladas opacas de
uma vida com uma cor só. Pregam a não idolatria das imagens, mas acham
que podem impor ao Ocidente sua religião como única imagem de fé e
felicidade. Prefiro a fertilidade do livre pensamento. Não é na
Dinamarca, enfim, que existe algo de podre.
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