Há quem afirme que a maconha não provoca
nenhum mal e, portanto, não é necessário tratar o usuário dela. Minha
experiência pessoal, nesse terreno, é o contrário: a maconha é um
alucinógeno e, portanto, conforme seja o indivíduo que a fume, as
consequências tanto podem ser insignificantes como desastrosas.
Conheço os dois tipos de consequências: gente que, fumando-a, sente-se
relaxada, como outros, que perdem o controle e fazem qualquer coisa,
como tentar estrangular a irmã ou jogar-se da janela do apartamento.
Como tenho o mau hábito da sensatez, acho que o melhor mesmo é não
arriscar.
Digo isso porque, quando era garoto, levaram-me a experimentar a
maconha. Dei uma tragada, achei-a desagradável e não aderi. Meu colega
Esmagado, também não aderiu, mas o Maninho, que compunha a nossa trinca,
achou um barato.
Depois de tantos anos, eu estou aqui, modéstia à parte, saudável e
trabalhando. Esmagado tornou-se craque de futebol, enquanto Maninho
passou da maconha para a cocaína (o que costuma ocorrer), sumiu de casa e
morreu, antes dos 40, depois de várias internações para livrar-se da
droga.
Quem defende a legalização da maconha alega que, como os muitos anos de
repressão ao tráfico não acabaram com ele, a solução não é essa. Isso
me parece mais um sofisma do que um argumento porque, se o aceitarmos,
teríamos que desistir de combater a corrupção, uma vez que, após séculos
de combate, ela continua.
Por outro lado, nada indica que a legalização da maconha (ou das drogas
em geral) acabará com o tráfico. Um exemplo: a venda de cigarros é
legal mas o tráfico de cigarros continua apesar disso. O mesmo pode-se
dizer do tráficode pedras preciosas, cuja venda clandestina se mantém
apesar da repressão. Por que, então, o tráfico de drogas, que movimenta
milhões de reais, iria acabar? Não vejo razão para acreditar nisso.
Mas tudo bem, a maconha vai ser legalizada, de modo que, a partir daí, o
consumidor da erva poderá portar, sem problema, a porção de maconha
necessária a seu consumo. Mas não uma quantidade que indique ter ele a
intenção de vendê-la. Ou seja, consumo pode, venda não pode.
Aí tenho certa dificuldade de entender: se a lei admite o uso da droga,
por que então proíbe sua venda? Como justificar-lhe a proibição se a
mesma lei considera seu consumo legal? Parece-me contraditório ou sou eu
que estou pensando errado?
Vejamos: se o Estado admite o uso da maconha, ele está inevitavelmente
assegurando que ela não provoca mal algum ao usuário, mesmo porque seria
um absurdo permitir o livre consumo, pela população, de algo que lhe
prejudique a saúde física ou mental. Logo, para todos os efeitos, se o
uso da maconha é legalmente permitido será porque nenhum mal ela causa.
Mas, se é assim, proibir-lhe a venda não tem explicação.
Ou tem? Uma explicação possível seria que os próprios legisladores não
estejam certos de que o amplo consumo da maconha nenhum mal provoque à
sociedade e especialmente ao pessoal mais jovem.
Já imaginou se dezenas de milhões de jovens passarem a se drogar e, em
vez de cuidar do futuro,de estudar e buscar uma profissão –entreguem-se
ao barato da maconha que tem, como principal característica, deixar o
cara desligadão dos problemas da vida?
Não resta dúvida de que dói menos viver nas nuvens do que encarar a realidade. Sim, dói menos até o cara cair na real.
Ferreira Gullar
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