Contém muito mais sinceridade do que humor e picardia a frase do velho gozador e jornalista Millôr Fernandes, publicada outro dia na Veja: "ah, que saudade do tempo em que os três poderes eram o Exército, a Marinha e a Aeronáutica", disse o colunista.
E se o leitor for daqueles metidos a endireitar ou esquerdizar o mundo, precisa saber que, tirante o lado violento e covarde da ditadura, ali no turbilhão de meia-oito até sete-quatro, havia um lado honorável no Brasil dos militares.
As últimas duas décadas de governos tucano e petista, por mais que exista o espírito democrático pairando em nossas cabeças, não amarram os coturnos dos generais nos quesitos economia, moralidade e vergonha nas fuças. Não à toa, Delfim Netto foi guru dos "gorilas" e é agora mentor de Lula.
Pensei em Millôr, sorvi Millôr, verbalizei Millôr quando li, na Folha, a reportagem narrando a festinha safada na casa do senador Demóstenes Torres, o careca do DEM de origem profissional nos éticos salões do Ministério Público de São Paulo.O jantar entre governistas e oposicionistas, brindando à boa vida de ambos numa pantomima gastrólatra longe dos olhos do povo, é um retrato nojento e podre de uma República que há muito perdeu a trajetória da modernidade e o trem da História. Por coincidência, a festança no ninho de um "democrata" foi horas depois do acordão de plenário onde o Senado livrou a cara do tucano Eduardo Azeredo, aquele envolvido com R$ 90 milhões do Valerioduto, e jogou para debaixo do tapete os gastos dos senadores com a tal verbinha de gabinete. E pensar que essa gentalha votou com pose de civismo na cassação do senador João Capiberibe, que fora acusado de dar R$ 13,00 a um eleitor do Amapá, valor bem abaixo da tabela do voto unitário com que vereadores de Natal constroem seus mandatos.
O álcool de etiqueta serviu de ungüento para os debates que os comensais na casa de Demóstenes travam todos os dias na TV Senado. Vozes desafinadas musicalmente, mas afinadinhas nas negociatas, cantarolaram no "karaokê-do-chacrinha-ao-avesso. Entre baforadas de caros charutos, envoltos pela fumaça dos entendimentos politiqueiros, a choldra parlamentar botou a boca no microfone, como novas celebridades a afugentar memórias de tempos rudes de megafones úmidos por misturadas salivas.
Com aquele jeitão de quem acendeu um baseado em Woodstock e viu o efeito da "lombra" se materializar na placenta da Marta, o senador Eduardo Suplicy viajou no "Blowin in the Wind" de Bob Dylan, assoprando com fulgor cívico os ventos espúrios do seu partido.Tivesse algum maribondo de fogo composto uma canção chamada "São Luis, São Luis", decerto a senadora Roseana Sarney não teria cantado "London, London", de Caetano, com aquela casca plástica de quem por debaixo esconde uma Dona Canô em botão. Lindo, divino e maravilhoso foi quando a filha do coronel-poeta fez um dueto com a senhora Kátia Abreu, a relatora da CPMF e senadora dos bravos Democratas tupiniquins. Versão feminina das ridículas duplas sertanejas masculinas que empestam o país, as duas cantaram "Como é grande o meu amor por você", do Rei Roberto.
Tal quadro na festinha do conchavo é o retrato deste Brasil escroto, amoral e que exala o sumo purulento das suas instituições em decadência. Triste do povo que não pode solapar das mãos de todos os poderes o próprio poder que, por direito, lhe pertence. Fiquei a imaginar a vida nacional. A classe média sempre covarde sobrevivendo da adesão histórica, a juventude anestesiada pela mídia bem paga e as escolas produzindo conceitos de mentira. Vontade de entrar no Congresso e soltar um peido. Já seria mais digno que os discursos que ali se obram.
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