Ah, minha juventude! Tudo era possível. Ou se era direita ou esquerda. Ser direita era “careta”. Ser esquerda era a pré-salvação das garras dos capitalistas. Enquanto a oportunidade não chegava, assobiavam baixinho a “internacional socialista”, liam, escondidos no banheiro, “O Capital”, mesmo sem entender bulhufas e a “playboy”, entendendo tudo, além de ouvirem a Rádio de Moscou no Motorola do fusca. Alguns malucos levaram tão a sério que morreram de porrada nos porões. Outros, mais espertos, concluíram que, melhor que apanhar era aderir ao sistema, principalmente quando não havia mais perigo.
- De mansinho, todo mundo foi mudando de lado. Uns encabulados, outros, descarados. Ficou fácil, mas – cá pra nós - perdeu o encanto. Políticos paridos e embalados no berço da ditadura posam de esquerdistas. Ex-guerrilheiros assaltam os cofres públicos. Gente que nunca levou um grito dum sargento faz fila para receber a “bolsa ditadura”. Ser de esquerda virou apenas um negócio, um projeto pessoal. Temos esquerda para tudo. Aliás, só temos esquerda. Na atual eleição os mais votados foram, com diferentes graus de intensidade, de esquerda. Sem falar nos que não conseguiram ficar à esquerda da vírgula. Há dezesseis anos somos governados pela esquerda.
- Mudou? Certamente. Mas ficou melhor? Há controvérsias. Nestes três lustros, o país sofreu transformações nunca imaginadas pelos jovens idealistas dos anos sessenta, eu inclusive. O Brasil circula elegante e faceiro pelos salões de Wall Street e empresta dinheiro ao FMI. Até um trem-bala querem comprar. Talvez porque, à velocidade com que viaja, perdem-se os detalhes da paisagem social desde nosso Pindorama. Como uma imagem distorcida, há sempre uma nota dissonante na sinfonia do novo mundo brasileiro. A realidade e a utopia convivem em permanente promiscuidade, do Oiaí ao Chupoque.
- Os banqueiros, velhos inimigos da esquerda, enchem o rabo e os bolsos de dinheiro, surfando na maior taxa de juros do planeta. Passagens de avião são vendidas a preço de banana, com direito a pernoite nos bancos dos aeroportos. A saúde e a educação deveriam ser direito de todos, mas enquanto as escolas viram escombros, nos hospitais as filas são cada vez mais felás. Temos leis para tudo,mas as cadeias continuam se entupindo em progressão geométrica. O crime organizado vence o Estado desorganizado e corrupto, criando novas táticas de roubo, desde explosões de caixas a sequestro-relâmpago. As ruas estão infestadas de bandidos de quinze, dezesseis anos, ironicamente nascidos no ano em que a esquerda tomou o poder. Viverão, no máximo, trinta anos, pouco mais de um terço da expectativa de vida do brasileiro.
- Nas ruas, bandidos nos apartamentos e condomínios, moradores apavorados, escondidos atrás de guaritas, cercas eletrificadas, grades, alarmes e vigilantes turbinados. Nas avenidas enfeitadas para os turistas, meninas-moças, que não sabem de esquerda ou direita, ganham a vida com o centro, vendendo a sua inocência como fruta da vez. Temos um dos códigos de trânsito mais avançados do planeta, mas não conseguimos disciplinar o caos urbano que engaveta jamantas, jipões, motos e carroças jumentícias, disputando espaço nas avenidas e ruas duplicadas, produzindo uma estatística de centenas de mortes por dia.
- Ao invés de se extinguir a miséria, institucionalizou-se a pobreza. Hoje, ser pobre dá status. A esmola tem nome bonito e já não mata de vergonha, mas ainda vicia o cidadão. Vive-se entre o “bolsa-família” e a “bolsa ou a vida”. Aos patrícios foram dados direitos, e negligenciados os deveres de casa minha, minha vida.
Meu voto ainda é da esquerda, mas a do meu tempo.
Florentino Vereda
domingo, 24 de outubro de 2010
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