sexta-feira, 24 de novembro de 2006
Estamos numa roubada
O pivete arranca o tênis do menino e derruba na fuga o motorista particular que foi pegar a vítima na escola. O vizinho salta o muro do casal de aposentados e arranca-lhes as vísceras. A dupla de punguistas acerta um teco na cabeça da socialite e carrega o celular. O agricultor estoura os miolos da mulher e se mata em seguida.Tudo vai para as manchetes de jornais e repercute nas mídias diversas. Os substantivos bailam nas redes de TV: tragédia, monstruosidade, impunidade, insegurança, barbárie.
A criminalidade institucionalizou-se, a sociedade brada num desespero de orfandade. O crime comum ameaça todos os conceitos de civilização.Quem vai nos socorrer? Superman só existe nos quadrinhos e o sistema de segurança pública no Brasil morreu na kriptonita do descaso e da corrupção. Chegamos na aurora daquele alerta de Julinho de Adelaide (heterônimo do Chico) com "Acorda Amor". Chame o ladrão, chame o ladrão. Pelo menos para suplicar compaixão no assalto.
O problema maior da sociedade brasileira é que enquanto o crime comum apavora na TV, esquecemos dos crimes tão igualmente graves que não apresentam derramamento de sangue e manchetes. Faliram as instituições, morreram os conceitos de ética e moral. Num desvio de verba, morrem crianças e aposentados, bem longe das câmeras e microfones.Bandido que mata in loco tem que ser preso e condenado. Mas o Estado que prende e julga está em processo de banditismo. Os homens da Lei estão fora dela, letra morta nos livros de códigos civis.
A sociedade está a mercê de dois tipos de bandidos, o que rouba e desaparece, e o que aparece e rouba. Estamos reféns de quadrilhas e partidos.A monstruosidade e a barbárie da imoralidade pública não ganham substantivos na TV. O monstro que assassina um casal de velhos não difere de um político que roubou a verba destinada às obras sociais. A mídia induz o povo a diferenciá-los, mas a semelhança é real. Se Cabral aqui voltasse diria que o Brasil está a descoberto.
E o Sol nas bancas de revistas me enche de tristeza e preguiça.
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