sexta-feira, 29 de dezembro de 2006
O lobo mau da sacristia
Desde outubro um assunto divide a imprensa norte-americana, de um lado a chamada mídia engajada, aquela que tem sempre um lado a proteger, seja no sentido político, econômico ou religioso; de outro, a verdadeira mídia, livre, independente e laica, como deveria ser o próprio Estado de acordo com o que prescrevem as muitas constituições do planeta.O motivo de tal divisão é um documentário de 101 minutos lançado pela cineasta Amy Berg, até então uma desconhecida de Los Angeles que havia feito um outro documentário em 2001 para a TV. É dela a fita "Deliver Us From Evil", traduzido livremente para "Livrai-nos do Mal", que narra os crimes de pedofilia do padre católico Oliver O´Grady, que durante décadas molestou crianças, adolescentes e até um bebê de nove meses.O documentário e sua repercussão vêm chocando os EUA, causando indignação nos homens de bem e levando os de mal a buscarem silenciar toda e qualquer narrativa que revele o festival de sacanagens promovido por figuras religiosas acima de quaisquer suspeitas. O filme de Amy Berg é um registro tenebroso de uma realidade que a igreja católica teima em tratar com sigilo e leveza.A diretora passou cinco meses negociando com o padre O´Grady, hoje com 61 anos e vivendo na Irlanda após ser condenado à prisão e libertado ao cumprir um terço da pena. Conseguiu tirar dele um relato terrível do terror que impôs a suas vítimas, ditas algumas vezes com um leve sorriso de monstro e ainda reconhecendo que se excita só em lembrar.Para aumentar a polêmica e irritar a igreja e a imprensa comprometida, o documentário de Berg foi escolhido o melhor do ano no tradicional prêmio da New York Film Critics Circle, famosa associação dos críticos de cinema do mundo. Muitas vezes pior que nos EUA, não surpreende que a imprensa tupiniquim também continue desconhecendo a obra-denúncia da moça de Los Angeles. Por aqui, política, religião e mídia formam o trio parada dura.O padre O´Grady é apenas mais um na "santa igreja católica" a compor um processo de toda sorte de safadeza, onde se reza na cartilha da pedofilia, taras e outros desejos pra lá de patológicos. Em tudo que é seita há os devassos, assim como em todo partido político existem os ladrões e maus-caracteres. No filme de Berg o mais grave é a revelação de como as igrejas fazem para esconder seus crimes.O modus operandi do pedófilo é motivo suficiente para que as famílias percam qualquer confiança ou fé naqueles que se dizem encaminhadores de almas. O´Grady conta como usava dessa confiança, ficava amigo dos pais e se oferecia para pernoitar nos lares, fazendo orações pela manhã e invadindo quartos de menores na calada da noite. E cada vez que surgia uma queixa, seu superior - o cardeal Roger Mahony - o enviava para outra paróquia, onde a safada liturgia se repetia.Os escândalos sexuais nas igrejas estão criando um filão no mundo do Direito nos EUA. Diante do fato de que as autoridades eclesiásticas buscam sempre negociar com as famílias das vítimas para proteger o secular status religioso, começam a surgir advogados especializados no negócio, já chamados de "caça-padres pedófilos", e dois se destacam pela fortuna que estão levantando.O campeão é Jeff Anderson, de Saint Paul, uma cidade do meio-Oeste, que já tem mais de mil clientes e US$ 150 milhões em indenizações recebidas só da igreja católica, sem contar os casos evangélicos e quetais. Seus honorários já somam US$ 60 milhões. O vice-campeão é o advogado nova-iorquino John Aretakis, com seus 250 clientes e que ganhou fama no primeiro caso quando arrancou US$ 1 milhão da diocese de Albany.Os ataques sexuais por religiosos estão por todo lugar, no México, França, Irlanda, Brasil e em países com bolsões de miséria. Os casos crescem, parte da mídia divulga e a maioria se cala quando os cofres das igrejas são abertos para silenciar todos. Só a igreja católica já torrou mais de US$ 1,5 bilhão com indenizações e negociações.Na nova condição de mais famoso pedófilo de batina, Oliver O´Grady pode até sonhar com um Oscar e novas aventuras. Escapou da prisão na Califórnia, voltou para sua terra natal na Irlanda, onde retomou a militância religiosa com as bênçãos de Roma. Pastora um novo rebanho, onde decerto já fez ganhou a confiança dos mais velhos e pode apascentar, do seu jeito vil e endiabrado, as pequenas ovelhas do lugar.
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