Publicado na revista Força Aérea/Dez - 2006.
Ultimamente, o Sistema de Controle do Tráfego Aéreo Brasileiro tem sido questionado, mas, na verdade, ele é um exemplo de eficiência citado no mundo inteiro por especialistas do setor. A integração do Controle do Tráfego Aéreo e da Defesa Aérea num mesmo sistema permite não apenas que todas as aeronaves em vôo num dado momento sejam observadas por um único sistema em terra, mas também que os enormes investimentos que este setor requer sejam maximizados, beneficiando tanto a aviação militar quanto a civil de uma só vez. Trata-se de um sistema realista e que há décadas vem atendendo de forma marcante a aviação brasileira. Tanto que, se observarmos a média mundial de acidentes aéreos por milhão de decolagens, que é de 1,2 acidente, e a compararmos com a média brasileira, que é de 0,6, notamos que ocorrem menos acidentes aqui do que na Europa (0,8), sendo praticamente a mesma taxa dos Estados Unidos e do Canadá (de 0,5), considerada a melhor do mundo! Já a taxa referente à América Latina e ao Caribe atinge impressionantes 4,3 acidentes a cada milhão de decolagens (de acordo com os últimos dados divulgados).
O fato de um sistema ser bem montado e operado não significa que não possa ter falhas. Todo sistema ocasionalmente precisa ser revisto e melhorado, o que não justifica o que ocorreu no dia 29 de setembro, quando se deu o acidente com o vôo Gol 1907. Decorrente, como em todo acidente aeronáutico, de uma sucessão de fatores em cadeia, a colisão naquele dia vem sendo investigada a fim de se prevenirem reincidências. Técnicos da área acreditam, inclusive, que um dos fatores que ocasionaram o acidente se deve justamente à precisão alcançada pelo controle de tráfego e pela qualidade do vôo autônomo no mundo, fazendo com que aeronaves se cruzem em seus níveis de vôo em trajetórias incrivelmente precisas, exatamente no eixo das suas respectivas aerovias. A precisão é tanta que esses recursos são utilizados diariamente por milhares de aeronaves sobre as grandes vastidões dos oceanos onde não existe praticamente qualquer cobertura radar. Não estivessem os dois aviões exatamente no meio da aerovia e o acidente não teria acontecido. Acredita-se que o acidente sobre o Mato Grosso modificará procedimentos na aviação mundial. Já existe muita gente falando em separar aeronaves também lateralmente dentro das aerovias.
Nenhum problema com a investigação do acidente. O que não se deve fazer é ligar o acidente com a crise que se estabeleceu logo em seguida, ocasionando enormes atrasos na malha aeroviária brasileira.
A retirada dos controladores responsáveis pelo acompanhamento da área do acidente para avaliação médica, de caráter regulamentar, e a subseqüente solicitação de dispensa médica por outro grupo de controladores desfalcaram o setor, provocando atrasos em todo o sistema de aviação civil. A falta de quadros complementares se deveu ao planejamento do SISCEAB (Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro) de adequar a quantidade de controladores em acompanhamento ao crescimento histórico do setor, em média de 6%-8% ao ano. Acontece que, de acordo com o SNEA (Sindicato Nacional das Empresas Aéreas), o setor aéreo cresceu nos últimos anos num ritmo maior, em torno de 14% ao ano. Esta falha já foi, no entanto, reconhecida pela Aeronáutica e anunciada publicamente pelo próprio Comandante da Força, o Tenente-Brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno, num corajoso mea culpa que, decididamente, não é praxe no atual cenário político da Nação.
O que não pode ocorrer é o aproveitamento da crise para fins oportunistas, sejam eles de caráter financeiro ou político. Não
se deve, tampouco, criminalizar o acidente visando a possíveis lucros. O Brasil não investiu pouco no seu sistema de controle de tráfego aéreo. Foram cerca de US$ 1,8 bilhão nos últimos oito anos! Tampouco confundir buracos negros com áreas onde sabidamente não existe cobertura radar, por não haver nelas aerovias, ou tráfego significativo de aeronaves. Áreas estas previstas com cuidado quando se montou o sistema e durante as diversas modernizações pelas quais tem passado e, sem dúvida alguma, sem prejuízo para o tráfego aéreo nos locais de circulação das aeronaves comerciais. Os controladores de vôo da FAB, civis e militares, são todos voluntários, admitidos por concurso público – portanto, desde o primeiro momento, cientes do que iriam fazer e do quanto iriam ganhar – e não estão assoberbados de trabalho. Basta comparar a carga horária semanal dos controladores brasileiros, que é de 144 horas por mês, normalmente, com um máximo de 156 horas por mês, com os controladores da FAA norte-americana, que têm uma carga de 176 horas no mesmo período, em ambiente com muito mais tráfego. Ainda assim, trata-se de uma categoria de suma importância que precisa de atenções especiais. Mas não se pode – e nem se deve – levantar essas necessidades na esteira de um acidente aeronáutico.
O Brasil é um país que não possui uma infra-estrutura de transporte diversificada e eficiente. A esta regra, o transporte aéreo sempre foi uma exceção. Mudar o sistema pode resultar num perigoso sucateamento do setor, relegando a aviação civil ao mesmo nível de qualidade do nosso transporte rodoviário, ferroviário e marítimo. Será que é isso que o passageiro quer?
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