O escritor Nelson Rodrigues é o grande homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty que termina neste domingo. Mesas-redondas debateram a vasta e densa obra de um dos maiores nomes de nossas letras: o dramaturgo, o romancista, o contista, o cronista. Em todos esses gêneros foi grande, genial mesmo.
Manuel Bandeira, o poeta maior, disse dele: “Nelson Rodrigues é de longe o maior poeta dramático que já apareceu em nossa literatura”. Gilberto Freyre, na mesma pisada, foi além. O Senhor de Apipucos considerava o nosso cronista “um novo Eça de Queiroz”. E destacava ainda que Nelson, na prosa jornalística, era “mais rigoroso” do que o grande escritor português. Acrescentava Gilberto: - Nelson Rodrigues avulta na literatura atual do Brasil como nosso maior teatrólogo. O maior de hoje e o maior de todos os tempos. Pode ser considerado um equivalente, nesse setor, do Eugene O’Neil: do que foi O’Neil na literatura dos Estados Unidos. Mas ele é também o mais incisivamente escritor, sem deixar de ser vibrantemente jornalístico, dos cronistas brasileiros de hoje. O maior dos jornalistas literários - potencialmente literários - que tem tido o Brasil.
O autor de “Vestido de Noiva” é conhecido e exaltado como autor de frases geniais, Nelsonrodrigueanamente geniais. O genial em Nelson Rodrigues é um delicioso e precioso lugar-comum. Fundamentalmente necessário. Gostosa e sabiamente repetido. Suas frases valem por um compêndio inteiro, como esta: “O mesmo livro é um na véspera e outro no dia seguinte. Pode haver um tédio na primeira leitura. Nada, porém, mais denso, mais fascinante, mais novo, mais abissal do que a releitura”. Nelson Rodrigues é uma das minhas releituras mais sedutoras.
Esta semana andei relendo “O Óbvio Ululante - Primeira Confissões”, crônicas selecionadas pelo Ruy Castro, também biógrafo de Nelson. Botei o livro no bisaco e sai por aí. Abri o livro e fui reavivando algumas frases anotadas em leituras anteriores. Fui lendo e degustando - mas sem frescura de enólogo - a produção rodrigueana da safra 1967-68: Por tudo que sei da vida, dos homens, deve-se ler pouco e reler muito. A arte da leitura é a da releitura.-Eu diria que, em nossos dias, a televisão matou a janela.- Hoje, ninguém vê uma gorda sem lhe acrescentar um ponto de exclamação. Vivemos uma época tão sem busto, tão sem quadris, que ninguém entenderia a Lili em 1916. Os homens eram magros, tinham a face e o peito cavos. Mas a mulher podia ser gorda, ou, melhor, devia ser gorda.- Ninguém confessa a virtude e repito: - a simples confissão de virtudes não interessa nem ao padre, nem ao psicanalista e nem ao médium, depois da morte.
- Sim, diante de mim, está o teatro, como um horizonte obsessivo e devorador.
- A nossa solidão nasce na convivência humana.
- Desde garoto, porém, eu sentia a solidão negra. Eis o que aprendi do Brasil: aqui o branco não gosta de preto, e o preto não gosta de branco.
- A solidão do negro brasileiro não tem nem a companhia do próprio negro.
- Se a viúva amava o falecido, o segundo matrimônio passa a ser o adultério com guaranás, salgadinhos e convidados.
- Lembro-me de uma vizinha gorda e patusca como uma viúva machadiana.
- Tão fora de moda como o primeiro espartilho de Sarah Bernhardt.
- Desde menino sou fascinado pela grande dor. (Acho que a grande dor não passa jamais).- Bonito como um elefante de rajá.- Virgem como uma solteirona de Garcia Lorca.
- O meu primeiro pecado é anterior a memória.
- Hoje, repito, a “mulher fatal é mais antiga, mais obsoleta , mais defunta do que a primeira audição do “Danúbio Azul”.
- Quem fez noventa anos, ou mais, está isento do tempo, isento de idade.
- Em nossos dias, o brasileiro é um ser crispado de solidão. Cada um leva no peito uma sensação de orfandade.
- Ficou mais só do que um Robinson Crusoé sem radinho de pilha.
- O casamento de amor devia ter o segredo do adultério. Nada de proclamas. Ninguém devia saber, jamais.
- Mais corrupto do que um Nero de Cecil B. de Mille.
- Do seu lábio pendia a baba elástica e bovina do homicida.
- No Brasil não há tempo. Temos quinze minutos de História. Ao passo que, na Itália, um pires, uma xícara, uma pia, uma bica, têm mil anos.
- Nas recepções do Itamaraty, as casacas vestem os idiotas. E mais: - eles têm as melhores mulheres e usam mais condecorações do quem arquiduque austríaco.
- Trato de adular a minha úlcera com um prato de mingau.
- Com as técnicas modernas, é possível vender bem uma mediocridade.
- O brasileiro é um Narciso às avessas que cospe na própria imagem.
- A inteligência está liquidando o teatro brasileiro. Daqui por diante, só darei uma peça minha ao diretor que provar a sua imbecilidade.
- Estava mais eriçado do que as cerdas bravas do javali.
- Qualquer brasileiro é suscetível ao pequeno suborno.
- Fazia um frio de rachar catedrais.
- Com as técnicas modernas de promoção, o homem cada vez pensa menos.
- A origem do câncer está no tédio conjugal.
- O amigo é o grande acontecimento, e repito: - só o amigo existe e o resto é paisagem.
- O grande povo é cínico. Só o subdesenvolvido cultiva uns três ou quatro escrúpulos.
- O trágico da amizade é a convivência.
- O ser humano só se tornou humano, e só se tornou histórico, quando aprendeu a ficar só.- Sentimental como um ouvinte de novela.
- Minha imaginação é escassa. O meu processo é repetir. Arranquei de mim mesmo, a duras penas, uma meia dúzia de imagens. E um dia sim, outro não, repito a metáfora da antevéspera.
A televisão vive das reprises dos seus filmes, eu vivo das reprises das minhas imagens.
Graças a Deus, o leitor não percebe que leu aquilo umas cinqüenta vezes.
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