Filme B não mete medo
Ontem apareceu mais um turista estrangeiro assassinado em Natal. Já perdi as contas de quantos gringos aqui vieram em busca do paraíso e encontraram o inferno. No Rio de Janeiro, estamos na temporada de caça a portugueses, chineses e ingleses. Na Paraíba encontraram ossos de turistas executados e enterrados. No Ceará, parece que alguns foram enterrados vivos. Sem contar os que somem na Amazônia, longe da mídia.O Brasil é, de fato, um terreno perigoso para turistas. Não é preciso assistir aos exageros ficcionistas do filme "Turistas", do desconhecido e insignificante diretor John Stockwell, mais um de tantos cineastas do universo maldito dos filmes tipo B, às vezes C, os chamados trash. A produção entrou em cartaz nos EUA no último dia 1, e tinha tudo para virar mais um fracasso de bilheteria, como é comum aos filmes do tipo. Tinha.A mente provinciana do brasileiro e a falta do que fazer dos executivos da Embratur se uniram para dar mercado ao escatológico sub-produto da indústria da sétima arte. "Turistas" só estréia no Brasil em fevereiro, mas com a zoada histérica dos zé-manés da aldeia Brasilis já ganhou mais do que merecia em repercussão. Claro que não faltaram comunidades no Orkut, a rede virtual que virou condomínio só de brasileiros. Um surto de patriotismo tomou conta dos bestas, numa defesa bufa do território e da honra.É de rolar de rir saber que a indignação maior é com uma frase no começo do filme: "num país onde vale tudo, tudo pode acontecer". Isso nem é frase, já é um conceito, bem mais apropriado que "ordem e progresso". Basta olharmos para o desenlace dos escândalos, o que houve com os mensaleiros, sanguessugas e a turma do valerioduto. Aconteceu exatamente o que a sociedade não queria, ou pelo menos parte dela.Numa das comunidades na Internet, o criador do besteirol chega a dizer, "não podemos ficar de mãos atadas, precisamos fazer algo". Há duas observações prementes: só quem pode ficar amarrado é o turista e a patuléia nacional precisa realmente fazer alguma coisa, chega de vagabundagem. Vai pelo menos produzir filme de gosto duvidoso, como fez o estúdio Fox Atomics. Aliás, quando se trata de filmes que supostamente degradam a imagem de um país, os imbecis de Pindorama adoram assistir.Recentemente ninguém fez raivosas comunidades no Orkut, nem a Embratur prestou solidariedade ao povo da Eslováquia, retratado no filme "O Albergue" roteirizado e dirigido por Eli Roth e produzido por Quentin Tarantino. E como a obra ainda está na memória do leitor, dispenso comentários e sigo em frente. Por que ninguém se indignou, há quase três décadas, com o clássico e premiadíssimo "O Expresso da Meia- Noite", que narra o terror de um americano na Turquia?Na pele de um estudante, o ator Brad Davis é preso por porte de haxixe. O que era para ser apenas um caso comum de "drogas e juventude" se transforma num horripilante cenário de torturas, física e psíquica, num festival de ódio racial e cultural, onde autoridades turcas cospem impropérios contra o povo e o Estado norte-americanos. O filme papou uma penca de prêmios no Oscar, Globo de Ouro e Bafta (o Oscar inglês). Mas até hoje ninguém desmanchou a imagem dos turcos.Triste Brasil onde alguns milhares de babacas gastam o precioso tempo para boicotar um filme sem qualidade, uma obra fadada ao esquecimento, na defesa de uma honra que há muito foi destruída pelos próprios filhos da pátria, gente que comanda os destinos do patrimônio público e que na postura imoral vai construindo uma imagem vergonhosa do Brasil lá fora. Os inexpressivos artistas da fita "Turistas" não irão prejudicar nossa reputação no mundo. Nossos bandidos de colarinho branco já trataram de queimar nosso filme. Esses senhores, sim, metem medo e merecem boicote, mas sempre são premiados com os votos dos bestas.
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