Jornal de Hoje.
A TV Globo não pára de anunciar que estamos diante do início do maior espetáculo da Terra, o campeonato de futebol do Brasil que até poucos meses atrás era tido, quase por unanimidade, como um evento condenado à extinção em curto prazo. O que levou a poderosa Rede Globo a dar tamanho tratamento ao nosso combalido esporte bretão, herança de Charles Miller, em solo paulista, e de Hans Nobiling e Oscar Cox, em terrenos cariocas? Acaso irrompeu, subitamente, um amor pela bola? Não, meus amigos e inimigos. A Globo não morre de amores por nada no mundo que não sejam audiência e inserções comerciais. A empresa dos Marinho tem sangue de barata e alma de publicitário, não necessariamente nesta ordem e composição.
Estamos, nós os telespectadores, como cegos no meio de um tiroteio. Estamos diante de uma batalha midiática e mercantilista que envolve o domínio da audiência esportiva no Brasil, onde se digladiam a Rede Record, num lado, e a Globo e Band, no outro.
Emulada no marketing pessoal planejado pela assessoria do jogador Ronaldo Nazário – e agora reforçada com a chegada de Adriano no Flamengo – a Globo tenta resgatar o glamour, há muito perdido, do futebol tupiniquim, ameaçado pelas ligas européias. Poucos perceberam que o jornalismo global já não está mais cobrindo as finais da Copa dos Campeões da Europa, um produto exclusivo da Record no campo das televisões abertas. A ordem é levantar a bola das séries A e B do Brasileirão (ou Brasileirinho?).
No meio da guerra em busca das trincheiras da audiência, quem acaba perdendo é a verdade e o próprio jornalismo, vítimas dos exageros nas manchetes dos programas globais vendendo a mentira de que a imprensa do mundo destaca o nosso futebol. Até o sempre metódico e discreto jornalista José Geraldo Couto, da Folha de S. Paulo, acabou aliciado pelo espírito apologético da Globo com o campeonato nacional, e imagina o “maior espetáculo da Terra” nos esburacados gramados de Pindorama. Mas mesmo com todo o poder de mobilização da famigerada “mídia-mãe”, não vai ser fácil arrancar a bunda do torcedor do sofá de casa para fazê-la sentar nas duras e frias arquibancadas brasileiras. O público dos estádios diminui a olhos vistos.
Semana retrasada, na mesma noite em que Corinthians x Santos faziam a finalíssima do Paulistão (que Juca Kfouri chama de Paulistinha), reunindo uma média de 30 mil torcedores, o cantor Geraldo Azevedo atraía 80 mil para as ruas de Sampa. E olhem que não me refiro a um artista de ponta, no quesito mercado, como Roberto Carlos e Caetano Veloso ou as bandas da hora do rock e do pagode nacionais. Em Natal e Recife, por exemplo, Geraldinho não soma isto em 30 dias de show ininterrupto.
A verdade verdadeira, meus amigos e inimigos, é que a Record (sem falar das TVs fechadas como os canais ESPN) está roubando preciosas fatias de audiência da Globo com as transmissões do futebol pela Europa e outros esportes pelo mundo afora. A emissora do bispo Macedo percebeu uma tendência nacional, viu o óbvio ululante na louvação das novas gerações pelos campeonatos e craques do futebol europeu. Com a exclusividade na tela inimiga, não restou à Globo senão tentar soerguer a bola local. Até em Natal já é possível perceber um fenômeno que tomou conta dos bares, restaurantes e shoppings cariocas e paulistanos: as TVs do tipo plasma e LCD, como telas alternativas de cinema, transmitindo jogos da Espanha, Itália e Inglaterra. Em São Paulo, por exemplo, as camisas do Barcelona, Real Madrid, Milan e Manchester disputam o volume de vendas com a do Santos. No point gastronômico dos ricos e famosos, na Rua Amauri e adjacências, as TVs estão ligadas no futebol.
O aumento da audiência dos canais ESPN com o futebol europeu em todo o Brasil é estratosférico. O profissionalismo e organização das ligas provocam um glamour que atrai as atenções de uma faixa etária no Brasil entre 12 e 35 anos. Renovação pura e simples. No plano aberto, a Rede Record percebeu o filão e vai comendo pelas beiradas enquanto a Globo explora o emocional pátrio dos bobos, e já reproduzindo o mesmo clima de 2005, quando acabamos formando uma pífia seleção brasileira no ano seguinte. Espero que o torcedor brasileiro consiga abrir dos olhos e entender que não podemos repetir em 2010 o mesmo erro do fracasso na Copa de 2006. Nós perdemos o penta por causa de uma geração velha e cansada, que está prestes a ir para a África do Sul. Até lá, me envolvo também na guerra ibopeana das TVs, optando pela trincheira da Record e o glamour do rico e organizado futebol europeu. Mesmo sabendo que ao trilar do apito é preciso fugir das orações dos pastores, piores que qualquer pelada da Globo.
0 comentários:
Postar um comentário